sábado, 2 de julho de 2011

MÚSICA INSTRUMENTAL I: UM POUCO SOBRE JAZZ

Não sei o que as pessoas pensam quando pensam na expressão “música experimental”. A enciclopédia virtual Wikipédia diz que música instrumental é “toda música produzida exclusivamente por instrumentos musicais”, mas ressalva que, “ao contrário do que parece, a música instrumental não é necessariamente desprovida da voz e do canto”, já que em alguns casos, como na canção Taiane, do brasileiro Hermeto Pascoal (do álbum Mundo Verde Esperança, de 2003) ou na bem mais conhecida The great gig in the sky, do antológico e inesquecível álbum Dark Side of The Moon (1973), da banda inglesa Pink Floyd, a voz é usada como instrumento musical[1].
A Wikipédia lembra, ainda, que até o início do século XVI os instrumentos musicais eram usados apenas para acompanhar os cantos ou marcar o compasso das músicas, mas a partir de então as composições instrumentais foram ficando casa vez mais freqüentes até que, durante o período conhecido como barroco (séculos XVII e XVIII), a música instrumental passou a ter importância igual à vocal. Mas foi durante o período clássico (aproximadamente entre 1750 e 1810), que a música instrumental passou a ter importância maior do que a vocal, devido ao aperfeiçoamento dos instrumentos e ao surgimento das orquestras.
A partir das primeiras décadas do século XX a música instrumental passa a conviver com o grande público, primeiro nos EUA e depois no resto do mundo, através do jazz. Nascido a partir de outros estilos musicais norte-americanos mais antigos como o blues, as work songs (canções de trabalho) dos trabalhadores negros, do negro spiritual protestante e do ragtime, o jazz foi (e ainda é) o principal responsável por enraizar na cultura popular a música instrumental[2].
A palavra jazz começou a ser usada nos EUA no final da década de 1910 e início dos anos 20, para descrever um tipo de música que surgia nessa época em New Orleans, Chicago e New York. Seus intérpretes mais famosos são considerados hoje em dia como os “pais” do jazz. Entre eles estão a Original Dixieland Jass Band, do cornetista Nick LaRocca, o pianista Jelly Roll Morton (que se autodenominava o "criador do jazz"), o cornetista King Oliver, com sua Original Creole Jazz Band, e o clarinetista e sax-sopranista Sidney Bechet. Em seguida, surgem em Chicago os trompetistas Louis Armstrong e Bix Beiderbecke e em New York o pianista Fats Waller e o pioneiro bandleader Fletcher Henderson.
Em 1930 o jazz já possui um repertório considerável e várias grandes orquestras, como as de Duke EllingtonCount Basie, Cab Calloway e Earl Hines. É nessa década que aparece o primeiro estilo realmente popular do jazz, conhecido como swing. Por ser dançante e de fácil assimilação, caiu rapidamente no gosto popular, numa época em que as tensões mundiais que levariam à II Guerra Mundial pediam um estilo leve, dançante, de fácil aceitação, para divertir e distrair. O melhor exemplo dessa época talvez seja Glenn Miller, que tornou mundialmente famosa a canção Moonlight serenade.
Coincidentemente (ou não?) com o fim da guerra, em 1945, nasce uma maneira de tocar muito mais radical e que fazia muito menos concessões ao gosto popular, conhecido como bebop. É dessa época, talvez, o número mais expressivo de instrumentistas a registrarem seus nomes na história do jazz. Além dos “pais” do bebop Charlie Parker – também conhecido como The Yardbird (prisioneiro) e logo “promovido” a Bird (pássaro) simplesmente – e Dizzie Gillespie, é também a época do pianista Thelonious Monk, de Miles Davis e John Coltrane, dos bateristas Kenny Clarke e Max Roach, dos guitarrista Charlie Christian e Joe Pass; do vibrafonista Milt Jackson, do pianista Bud Powell e do trombonista J. J. Johnson.
Em resposta à agressividade do bebop aparece, nos anos 50, o cool jazz, estilo mais leve e mais romântico, numa abordagem mais simples do ritmo, embora ainda preservando a harmonia do bebop, com uma proposta intelectualizada que está para o jazz assim como a música de câmara está para a música erudita[3]. O cool jazz e o bebop dominam a cena da música instrumental durante praticamente toda a década de 1950, quando surge um novo estilo jazzístico conhecido como free jazz[4].
No final dos anos 60 acontece uma fusão inevitável entre dois estilos musicais marcados pela ousadia e pelo experimentalismo, o jazz com o rock, resultando, pelo menos no início, em obras musicais bastante inovadoras. Conhecido como jazz fusion ou simplesmente fusion, essa maneira de tocar gerou grandes nomes como os baixistas Stanley Clarke e Marcus Miller, o tecladista Chick Corea, as bandas Return to Forever, Mahavishnu Orchestra, Weather Report e Passport, os guitarristas Al Di Meola, John McLaughlin, Carlos Santana e Pat Matheny e o violinista Jean-Luc Ponty, só para ficar com alguns dos mais famosos.
Atualmente, para as pessoas que gostam de musical instrumental em geral e particularmente de jazz, podemos dizer que há espaço para todos os gêneros de jazz, desde o tradicional dixieland até o experimentalismo do free jazz, desde os velhos e sempre amados standards até as mais ambiciosas composições originais para grandes formações. Caberia perguntar, então, qual seria o estilo de jazz próprio dos dias de hoje. A resposta talvez esteja no jazz feito com instrumentos eletrônicos – samplers e seqüenciadores – num cruzamento com o tecno e o drum’n’bass – o chamado acid jazz. Ou não, como diria Caetano Veloso, que diz não ser fã da música instrumental.
Mas isso já é papo pra outra conversa. O importante é registrar que se você é fã da música instrumental em geral, do jazz em particular, em todas as suas modalidades, a Escala Virtual tem o tema certo pra agradar o seu sofisticado gosto. Mas se você é apenas um/a aprendiz, a fim de conhecer e saborear a música instrumental e encontrar o estilo que melhor se adéqua ao seu paladar apurado, o melhor lugar também é aqui na Escala Virtual. Aqui nós continuamos interessados em transmitir, ouvir, pensar e discutir “sobre essa música que não tem rótulo, à qual é pouco chamar de ‘música de qualidade’ porque esse conceito explica muito pouco, mas que quando toca nos toca e permanece tocando pelos anos afora, sem ser engolida pela máquina de fazer dinheiro que transforma tudo em produto de fábrica”, conforme eu dizia na minha primeira mensagem neste blog. Você ainda me acompanha?


[1] “Música instrumental”. Wikipédia. http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_instrumental. Acesso em 01/07/20.
[2] Cf. “História do jazz”. E-jazz. http://www.ejazz.com.br/ojazz/historico.asp. Acesso em 01/07/2011.
[3] Ibidem.
[4] Também conhecido como New Thing (coisa nova), o Free Jazz é um estilo criado nos EUA por músicos afro-americanos como John Coltrane e Rashied Ali, originário do bebop, mas que propunha uma liberdade de improvisação musical total do músico e uma diferenciação de atitude musical da música produzida pelos anglo-americanos. Tinha influência da música contemporânea produzida pelo compositor erudito norte-americano John Cage, defensor do conceito musical de atonalismo ou música aleatória. Vários músicos internacionais seguiram esta tendência durante as décadas de 1960 e 1970, principalmente aqueles que ideologicamente se identificavam com a questão dos direitos civis (civil rights) nos EUA àquela época. Nessa lista estão músicos como o argentino Gato Barbieri, os ingleses John McLaughlin e Tony Oxley, os alemãos Peter Brötzmann e Theo Jörgensmann, o grupo austríaco Das erste Wiener Gemüseorchester (Primeira Orquestra de Legumes de Viena) e o brasileiro Hermeto Pascoal entre os mais representativos no mundo. (Cf. Free jazz. Wikipédia. http://pt.wikipedia.org/wiki/Free_jazz. Acesso em 01/07/2011.)